Transitivos – Literatura::Fotografia::Desenho.


Sinfonia
setembro 16, 2007, 11:42 pm
Filed under: Bruna Beber, Juliana Keibel, Transitivos Indiretos

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Foto: Juliana Keibel.
Poesias: Bruna Beber*.

 

anéis

quero alegria pro poema

mas os versos saem em mi
tento decorar as penas

estão desbotadas
todas as cores

vejo em preto e branco
canto para esquecer

a grande confusão das coisas simples
não sei de que material seco são feitas

as perdas.

broches

aproxima-se o desconhecido

e junto dele a gritaria
dos grandes começos
ainda não sabe dizer

com quantas rouquidões
se faz um recuo
por isso o silêncio e a tosse

infalível técnica
de disfarces.

brincos

o medo amarela

os dentes corrói
todas as tentativas
de nomeá-lo
nada nos assegura

nem ninguém poderá
nos defender: estamos vivos
e se do paraíso estamos longe

cada vez mais longe quero viver
distante, muito distante
do que só é possível no papel.

 

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Alma Gêmea
setembro 13, 2007, 2:17 pm
Filed under: Marco A

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Tem poesia aqui, Marli
setembro 9, 2007, 12:25 am
Filed under: Mika Lins, R. Senra, Transitivos Indiretos

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Desenho: Mika Lins.
Texto: Ricardo Senra*.

 

Fechou. Eu aproveitei pra descer e atravessar a rua bem rápido, antes que o outro lado do cruzamento começasse a chover aqueles carros todos. A avenida era só mais uma dessas grandes, em cidades grandes, com trânsito o dia inteiro e movimento razoável tarde da noite. Comigo, no ponto de ônibus, dois caras distraídos e um casal mais afastado, à doutores de alegria, se amassando numa árvore dessas normais em avenidas grandes, em cidades grandes.

O mais gordo dos dois caras apanhou logo um ônibus. Em frente ao ponto estacionou em seguida um carro largo, pisca-alerta cumprindo o seu papel, e eis que dele me sai um cara de macacão prateado com uma logomarca esquisita na nuca, duas palavras quaisquer em inglês, e abre à chave o porta-malas sem a menor pressa. Dois baldes, dois panos e aquela vassoura caduca e careca. Rodo. Até aí eu ainda não prestava atenção e continuava a olhar puto pro relógio da esquina – mais um desses estúpidos, que insistem por quarenta segundos na merda da temperatura antes de só confirmarem que você está de fato atrasado e que a mesma desculpa mulambenta, Monique, mais uma vez, não vai colar. Respirei fundo.

E dei aquela olhada em volta. O ponto de ônibus era daqueles com um vidro enorme, estrutura grande de ferro escuro e cartazes de peças de quinta, pregados em vitrines iluminadas por lâmpadas de banheiro. Típico ponto de ônibus grande de uma cidade grande, logo em frente a um restaurante. O vidro. O vidro estava completamente encharcado e cheio de espuma branca, aumentando além da conta aquele friozinho que dá com vento gelado na rua, depois da meia noite. Eu já quase me arrependia por não prestar atenção em como é que aquele cara molhou e ensaboou toda aquela vidralha, mas nessa hora que começou o concerto.

Com c.

O rodo fazia e repetia um mesmo caminho, sob a mesmíssima velocidade, e não deixava nenhum senão nem seco, nem sujo. O outro cara, o de preto, que também devia estar tentando esperar um ônibus, acompanhava atento os lentos movimentos verticais, mexendo de vez em quando a cabeça, enquanto eu esperava já quase tenso poder rever aquelas linhas tortas que ele faria paralelas ao chão, mais uma vez. Volta e meia acontecia do cara de preto olhar em volta, meio a segurar um sorriso criançola, criando um cacófato e concluindo provavelmente que eu estaria pensando literalmente no seguinte: “Caramba, eu nunca parei pra pensar que existisse um cara especialmente dedicado à limpeza de pontos de ônibus. Mesmo em cidades grandes”.

Eu pensava exatamente no mesmo de volta, e aí nasceu o corno do cacófato. Tinha poesia ali, Marli. Por mais que o menos sexie entre os seus significados, aquele vai-e-vem todo podia ser tão bom quanto música, tão métrico e bem construído ele parecia. Podia-se chamar sem culpa aquele artista de elegante, era uma aula de elegância, também e justamente pelo fato d’ele saber que era inegavelmente assistido e, assim mesmo, não se distrair em nenhum momento e cumprir seu papel muito além da simples faxina. Ele era nem maestro, era mestre de coreografia. Nós dois, envergonhados, já quase parávamos de assistir e procurávamos a merda do relógio para disfarçar, quando enfim chega aquela mulher.

Com o tempo vocês vão entender o que eu digo, mas de cara me veio à cabeça, e mais uma vez, a cara imbecil da Macabea, e todas aquelas minhas amigas mortícias que se amarram na Clarice Linspector. Antes que eu explique:

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riozebratubo
setembro 6, 2007, 12:15 am
Filed under: Roberto Buaiz, Transitivos Indiretos

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— Não consigo me ouvir direito em você. Dá pra melhorar o retorno?

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Se essa rua fosse minha
setembro 4, 2007, 1:04 am
Filed under: Clara Mazini, Leonardo Ramadinha

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Foto: Leonardo Ramadinha.
Texto: Clara Mazini.

Cismou que aquela rua tinha nome de poetisa e continuou pensando assim até o final de seu último dia naquela cidade e muito depois.

Mesmo hoje, sem a cidade, a rua ou o nome, ela ainda lembra aquelas calçadas como quem experimenta o melhor dos poemas.

Noturno, aquele caminho abrigava todo o tipo de gente em um abraço largo e lascivo. Pernas para todos os lados da avenida corriam como corre o sangue que ao circular pela artéria de um organismo muito vivo confere a ele a qualidade inevitavelmente pulsante.

E ela pulsava entre putas e punks, entre livros que aguardavam na calçada, no meio de desenhos de todas as cores que em seus segredos revelavam uma parte da cidade que jamais dormia.

E ela ali, misturada aos fumos e gasolina queimada, provando o gosto estranho e doce de caminhar por uma rua de poetisa de todos os tempos; espalhando sempre versos com os olhos pelo simples fato de estar ali.

Prova definitiva de qualquer sentimento extremo, naquela rua tudo parecia reconhecer-se exageradamente infinito dentro de suas possibilidades. Mesmo dentro, o gosto era tão sincero que escorria até manchar todo o corpo de uma vontade louca de ser feliz.

Ainda agora ela insiste – aquela rua foi o poema mais encantadoramente desastroso e por isso mesmo tão verdadeiro. Uma espécie de rascunho tão confortável em seus defeitos que dispensa a idéia de obra-prima.

Uma idéia que, de tão bonita, adia ao máximo a hora de terminar, até se esquecer completamente dela.